Ah! Quanto tempo se passara desde a última vez em que sentira seu leve toque? 20 anos? Não saberia dizer, nem poderia, pois a lembrança daquele dia causava-lhe tamanha comoção que preferiu escondê-la no canto mais escuro da memória, longe de qualquer intrusão, de maneira que pudesse trazê-la à luz da consciência se assim o desejasse. Como se despertasse de um sonho, sacudiu o vestido vezes seguidas, fazendo com que a poeira se espalhasse por toda a sala, iluminada pelo sol do entardecer. Cada grão de poeira continha em si o brilho de uma vida renascida, de um passado esquecido e rememorado pelo simples contato com o vestido. Mas o que nele havia de tão especial?
Ele era o preferido de sua mãe, simplesmente. Nunca fora lavado, depois de sua derradeira partida. E agora, lá estava ele, sozinho com o vestido. Colocou-o sobre seus braços, com todo cuidado do mundo, afinal ele não carregava um pedaço qualquer de pano, mas o último suspiro de sua mãe e todas as lembranças que ele pudesse trazer. Nele estava inscrito as palavras de consolo e os abraços, o sorriso complacente e os olhares de apreensão.
Que mistério haveria no perfume característico de todas as mães? Em toda sua vida, de garoto estranho à rapaz complexado, jamais soubera a resposta para essa pergunta. O que sentia naquele momento só poderia se materializar e encontrar um fim através de um único ato, e ele sabia qual. Prostrou-se em frente ao espelho pendurado no armário, se despiu rapidamente e colocou o vestido, ajustando o fino tecido ao seu corpo rude de homem já feito. Seguindo os contornos da nova imagem refletida no espelho, deparou-se com um rosto triste a observá-lo, o rosto de quem esperou por muito tempo aquele acontecimento. Seu rosto expressava o desamparo de uma criança perdida no meio da multidão que, desesperado, chama por sua mãe. Mas uma mãe não é para toda a vida, e a sua não poderia mais aparecer para salvá-lo da solidão. Contudo, ao levar a mão aos olhos para secar uma lágrima, pensou ter visto no espelho algo de muito estranho... um tremeluzir, uma palpitação, uma mudança ínfima no semblante de seu rosto. O olhar refletido agora era de uma serenidade surpreendente, dedicado, o olhar de alguém que ama. Seus olhos eram os olhos de sua mãe. Custou-lhe perceber que carregara durante todo esse tempo a solução para sua angústia, para o seu sofrimento e desamparo: o terno sentimento que nutrira a sua mãe por ele, enquanto esta estava viva. Ela o amava e ele sabia disso, soube naquele instante. Ele poderia amar de novo, pois amou uma vez e fora amado. Os medos e as recusas, as incertezas de toda a vida foram abandonados junto com as roupas que despiu, e seus lugares foram preenchidos por um novo sentimento de amor à vida e de liberdade. Com a clareza dessa revelação, sorriu com prazer. O rapaz no espelho sorriu de volta e os dois fizeram as pazes, mutuamente. Jamais se sentiria tão sozinho novamente. Agora tinha a si mesmo e a um vestido.
